(*) Burning Sky - Belo Horizonte/MG - Photo, Art: Ana.
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21 setembro 2008

A pergunta que não quer calar

escultura de balão

-- Se o amor ajuda o artista a criar?
Não.
O amor é uma merda pra criação do artista.
O amor é uma droga que nos deixa pairando pelo ar, indo à Lua e voltando num suspirar de coração apaixonado, vagando sem tocar os pés no chão, bem lá no alto, onde não há teclados voadores, e não se alcança papel nem caneta.
Não há poema de amor correspondido.
Não há texto de coração que não foi partido, arrancado, moído, cuspido, largado.
Não há conto tragicômico quando há amor a transbordar.
Mas...
Há vida sem amor?
Há vida sem amar-te?
Há vida em Marte?
Há vida sem a mor-te?

Ana.
(Texto: Ana. Foto: Didts.)

15 setembro 2008

Ensaio sobre a ignorância

Um bom dia para pescar

Em sua ignorância, fecha a porta. Bate-a com força, e o estampido reverbera com ecos de vazio no coração, como um soar de tambores ante o precipício. Sai pisando forte, sobre folhas secas, crepitando o torrado da vida sob os próprios pés, como se matasse baratas, cobras e escorpiões que estalam vísceras vivas num piscar de olhos, num soar da sola de um All Star branco, como a cegueira de luz.

Vai embora sem nem olhar pra trás. Leva consigo um cobertor apenas (orgulho?), um par de penas de escrita em tinteiro, seu caderno de notas, mais aquele CD do Chico. Com isso, crê que a vida está completa. Mas para onde vai, se não tem janelas? Para onde leva seus pensamentos em nanquim?

Ao observá-lo, faço tempestade de rosas, pinto uma silhueta negra no céu azul. Ao longe, seguindo o caminho de tijolos amarelos trilhado por pequenos homens de paletó escuro, um pote o espera, no final do arco-íris. Não há ouro dentro dele, apenas um líquido quente e vermelho. Sangue? Não sente dor, nem cheiro de carne, não ouve gritos de horror! Nada disso. É apenas o próprio reflexo do amor que jorra de seus pulsos, a cada pulsar de pares, átrios e ventrículos.

E quando, finalmente, olha pra trás, vê que tudo permanece como deixou, em seus mesmos lugares: mamilos pelo chão, confetes pairando no ar, vapor de perfume de rosas, água quente em cachoeira. E então as lágrimas azuis se secam de imediato com as mechas de mel em camadas, que o abraçam ternamente como sempre o fizeram. O mesmo cheiro está lá, inebriante, e até o radinho de pilha AM toca uma melodia simples, a sua favorita desde então.

Decide ir embora mais uma vez, mas agora não estaria sozinho. Carregaria consigo sua casa, carregaria o seu cheiro, suas lembranças, seus livros e discos, em sua mente e seu ser, e, cheio de confiança e suspiros, caminharia por sua própria trilha de tijolos cravados de sua carne, seu suor, seu ser.

Ana.
(Texto e foto.)

09 setembro 2008

das taras que um dia eu tive

quisera eu poder contar minhas taras
meus brincos, minhas luvas
meus sapatos, cavalos marinhos
homens e cervejas e dias de folga e chocolates
quisera eu poder ter sempre uma tara a tiracolo
para usar quando necessário
noites de sexta feira e manhãs de sábado
filmes com pipoca em dias de lua cheia
beijos roubados, no pescoço
beijos proibidos, esperados
mar azul, janelas com vasos de flores
perfume de carro novo, presente bem embrulhado
bolinhas de sabão, cartas pelo correio
s
e
x
o
de manhã bem cedinho
quisera eu usar de taras bem colocadas
meias listradas em noites de inverno, choconhaque e festa junina
usar cobertor, roupa de cama limpinha e macia
dançar em volta da fogueira, contar estrelas
sentir cheiro de amaciante nas roupas, ver gotas de orvalho em pétalas de flor
toalhas fofinhas, azeitonas sem caroço
quisera eu viver numa tara só
de pôr do sol, de poemas, e de bilhetes desenhados
repassados, escondidos
viver de surpresas e de segredos ao pé do ouvido
viver pra deitar no colo
ganhar cafuné
ficar de mãos dadas e gargalhar
ouvir risada de criança e ver sorrisos sem dentes
cantos de passarinhos, cheiro de chuva, barulho de cachoeira
quisera eu poder me alimentar de taras e de sonhos
comer torresmo com limão, beber tequila e champagne
e matar a sede com coca light num copo cheio de gelo
quisera eu curar minha tara por olhares que se encontram
por paqueras
por msn
e um dia acordar e dizer
que já tenho tudo.

Das taras que um dia eu tive


Ana.
(texto, fotos e montagem.)

Originalmente publicado no M.A.C.A.B.E.L.A.G.E.M em 17 de abril de 2008.

05 setembro 2008

Xis

Fecha os olhos

Chiado miado contido
Chia no meu rosto
Roxo
Chega chorando
Chama por mim
Chia
Quer chantagem
Chiado manhoso
Manchado
Clama por manchetes
Chama por coquetes
Xinga a chuva
Sai na rua
Café com chocolate
Chope e chimpanzé
Chispa chiando
Chega a hora
De ir embora
Tanto chiou
Caiu
Chorou
Coração ficou
Chamando por ti.

Ana.

(Texto e foto.)