Não se engane com o cumprimento cordial. Você bem sabe que nosso relacionamento já terminou. Mas a mágoa não cessa. Por isso eu, que nem sou de guardar rancor, decidi colocar tudo nesta carta para exorcizar o mal que me causaste – e causa ainda, agora através dos meus entes queridos. Não, não se manifeste, é minha vez de falar tudo! Para começar, esqueça o “prezado”. Eu acho mesmo que você é um tipinho muito do desprezível. Lembra quando nos conhecemos? Tudo era uma festa. Eu era só uma menina pobre e você veio com aquelas promessas de dinheiro fácil, pouco esforço, reconhecimento e honorários... Todo fim de mês eu juntava as mãozinhas e agradecia por ter meu próprio e querido Emprego de Nove às Seis. Rá! Como fui ingênua. Não demorou nada para você fazer de mim uma garota oprimida e estressada. Primeiro, me obrigava a usar as roupas que você queria. Vinha com aquela história de vetar o uso das calças jeans e camisetas de desenho animado. Fez com que passasse a comprar terninhos atrás de terninhos, camisa branca de botão e sapato, tirou minha individualidade. Só porque todos os homens advogados que andavam contigo eram assim? Precisava ser tão hermético? Arrancando a criatividade das pessoas você se sente feliz. Depois fica indignado porque todos ao seu redor preferem jogar Paciência no computador... Pudera! Neste seu ambiente, a moçada perde a garra, a vontade. Mesas iguais, cadeiras iguais, baias minúsculas. Não podia grudar uma foto do meu namorado na parede e lá vinha você, ciumento, dizendo “isso não é comportamento profissional”. No começo, confesso, caí na sua lábia. Prometias de tudo, lembra? Viagem de férias, décimo-terceiro, plano de saúde e até convênio odontológico. Suas armas de sedução funcionaram comigo e larguei o Mercado Informal, o rival de longa data, para cair em seus braços. Quanto arrependimento... Promessas, só promessas... Parecia mais político em campanha eleitoral. Temo nunca me recuperar de você, Emprego. Vivi esperando que notasse minha dedicação e assumisse nosso compromisso. Que enxergasse a minha capacidade e o bom trabalho que estava fazendo. Que custava assinar os papéis? Colocar seu nome na minha Carteira de Trabalho seria um sacrifício tão grande? Tudo bem nunca ter enviado um panetone aos meus pais, mas nós estávamos firmes, você disse que tudo ficaria bem e que me daria até aumento! Canalha! Já não posso sequer ouvir o seu nome. “Emprego de Nove às Seis”. Bah! Quero distância. Vejo muito bem o que você anda fazendo com a Fê minha amiga, viu? Não bastasse dominar a vida dela nos dias de semana, ainda faz questão de possuí-la aos sábados! Ela tem família, você não tem coração? Não tem vergonha de usar essa moça e depois descartá-la? Como fez comigo, por sinal. Mal sabia eu que você só gosta mesmo é de variar de funcionários. Troca a equipe como quem troca de cueca! Felizmente acordei daquele pesadelo. Deletei os arquivos que fiz para você, apanhei minha caneca de café e bati a porta sem olhar para trás. Nem precisa tentar me segurar, oferecendo mentiras como “carro da firma” e “seguro de vida”. Não caio mais. Já chega ter acreditado naquela promessa de “divisão de honorários”. Dividimos mesmo: você ficou com a grana, eu com a dor na coluna por conta da cadeira velha, e com a LER de tanto fazer suas preciosas peças naquela mesa totalmente não-ergonômica. Saiba que estou agora muito feliz com seu primo, o Trabalho em Casa. Vivemos de modo humilde e precisamos ralar muito para quitar as contas. Mas estamos bem. Ele me dá liberdade e nem liga se coloco os pés na mesa enquanto faço as petições ou falo no telefone. Pretendemos inclusive gerar filhotes, sabe? Projeto de Vida e Sonho de Infância devem vir ao mundo daqui poucos anos. Serão lindos – e mal posso esperar para esfregar a foto deles nessa sua cara-de-pau. Não que eu seja vingativa, ou já teria tomado medidas contra as suas comadres. Elas ficam me apontando, pensa que eu não sei? Onde passo, perguntam “trabalha em qual escritório?”. E quando respondo “nenhum específico, eu sou autônoma”, me vêm com aquele olhar. Assim que afasto, percebo os comentários: “autônoma, sei... Na minha terra isso tem outro nome... É aquela palavra com D... De-sem-pre-ga-da! Aposto que fica borboleteando o dia inteiro, essa aí”. Que ódio tenho disso, cara! Como se só fosse respeitável quem joga no seu time! Mas olha, Senhor Emprego de Nove às Seis, todos merecem ser felizes de uma maneira ou outra. Se fosse mais esperto, saberia que está cercado de gente que precisa de ti, mas não te ama. Não custava ser mais flexível, permitir uma folga aqui e outra ali. Com essa postura rígida de cem anos atrás, só o que você consegue são mentiras. Sim, porque quando aquele garoto diz “preciso ir ao dentista” ou “minha avó faleceu”, ele cai mesmo é na farra! Vai ao cinema, viu? Não pense que você pode vigiar a todos por todo o tempo. A mim, não engana mais. Um dia podemos nos encontrar de novo, porque... você sabe, eu gostava do pessoal. Das conversas durante o cafezinho, daquela dinâmica. Não, de você não! De você não tenho saudades. Te risquei da minha vida. E só escrevi para isso mesmo: dizer que você está demitido. Passar bem. ******************************************************************* Este texto é uma obra-prima da "Flá Wonka", ou Flávia Pegorin, jornalista freelancer que se cansou da vida de empregada de Nove às Seis, e escreve no "Garotas que Dizem Ni", o qual tomei a liberdade de fazer algumas adaptações... Qualquer semelhança com a realidade será mera coincidência... Beijos a todos, Ana Letícia.
Para ler o texto original sem adaptações, publicado em 01/08/2005, clique aqui.
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03 agosto 2005
Prezado Emprego de Nove às Seis:
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