Desde pequena cultivo uma relação especial com os livros. Ainda me lembro dos meus livrinhos de pano, cheios de cores e desenhos, as bordas recortadas em ziguezague. Pena não terem sobrevivido aos ataques da minha irmã mais nova, naquela fase em que destruir é a melhor diversão!
No início, tinha que me contentar em ver as figuras, e as raras linhas de texto eram lidas por algum adulto complacente, geralmente minha madrinha ou minha mãe. Impossível esquecer o primeiro livro que eu li sozinha, por meus próprios meios. Não me agüentei de orgulho! Foi O Barquinho Amarelo, meu livro escolar, mas nem por isso eu o achava chato. Eu me lembro até hoje das ilustrações, das histórias e dos personagens. Lembro perfeitamente do Marcelo, do pé de Café, e claro, da triste cena do barquinho amarelo sumindo aos poucos depois da curva do riacho.
Minha avó bem que tentou me fazer gostar do Monteiro Lobato, mas nunca me identifiquei com o Sítio do Pica Pau Amarelo, principalmente porque na época já existia o programa de TV, e eu não simpatizava nem um pouco com o personagem da Cuca. Eu ainda não sabia, mas minha preferência se voltava para histórias mais reais, ou, pelo menos, menos inverossímeis.
Depois vieram as Meninas Exemplares e Os Desastres de Sofia, da Condessa de Ségur, que fizeram a alegria da minha infância. Minha pré-adolescência foi passada na companhia do Conde de Monte Cristo, dos Três Mosqueteiros e dos livros da Laura Ingalls (Uma casa na Floresta, À beira do Riacho, À margem da Lagoa Prateada e uma longa série...) e todos da Biblioteca das Moças, extinta coleção que fez sucesso entre as décadas de 40 e 60, e pertenciam às minhas tias paternas, hoje vovós respeitáveis! Os livros eram encapados com plástico de fundo preto e estampado com florzinhas verdes e brancas, e cheiravam muito forte a mofo. Mesmo assim, isso não me desencorajou, e por um bom tempo contei com as histórias românticas e politicamente corretas da mocinha que se casa por obediência aos pais mas acaba se apaixonando pelo marido atencioso; daquela que só se casaria por amor e também da outra que aprendia a duras penas a ser esposa e mãe perfeita.
Logo me cansei das Moças, e comecei a procurar personagens mais intrigantes e histórias mais densas. Assim cheguei até Dorian Gray e Jane Eyre, e outras preciosidades que minha mãe, com cuidado, destilava em pequenas porções. Não sosseguei enquanto ela não me deixou ler Dracula de Bram Stoker, que ela censurava com medo dos pesadelos que esta leitura certamente me traria. Nas férias, sorrateiramente, assaltava os armários da minha tia, e roubava volumes que lia à noite, debaixo das cobertas. E assim chegaram às minhas mãos primores como Os Miseráveis e outros nem tão significativos assim, o que me ajudou a entender porquê alguns livros merecem mesmo ser escondidos no fundo do armário.
Enfim, um belo dia, minha mãe, cansada de me ver suplicar por novas leituras, abriu o sua estante de livros para mim, e me deixou livre para escolher o que eu quisesse. Só permaneceu proibido O Castelo do Homem sem Alma, não por puritanismo, mas porque minha rinite alérgica simplesmente não permitia que eu abrisse o livro com o título mais intrigante que eu já vi. Ou melhor, li. Peguei o que alcancei mais fácil, na primeira prateleira. Lá estava um livro pequeno e encadernado em azul cujo título não estava impresso na lombada. O perfume. Definitivamente, estava inaugurada minha vida adulta na literatura.
E foi assim, aos poucos, que fui construindo a minha história, lado a lado com os livros. Alguns se tornam refúgios, uma ilha de calma, um mundo paralelo, no qual os personagens transcendem as páginas do livro e se transformam em amigos, paixões, confidentes. Há personagens mais vivos para mim do que pessoas de carne e osso: já chorei com eles, já me compadeci, já odiei e já viajei na companhia de muitos em busca de aventuras e de vingança. Já penetrei tão fundo em seus mundos que já os confundi com a realidade! Por isso eu digo que alguns livros são meus livros-amigos, aqueles que eu anseio por reencontrar depois de um dia difícil, debaixo das cobertas, como um porto seguro depois da tempestade. E apesar da certeza de que muitos logo se tornarão pó, me conforta a idéia de que eles já fazem parte da minha vida, e que carrego um pouco deles comigo na memória, e isso, ninguém pode me tomar. Nem o tempo, nem as traças.
Bela.
No início, tinha que me contentar em ver as figuras, e as raras linhas de texto eram lidas por algum adulto complacente, geralmente minha madrinha ou minha mãe. Impossível esquecer o primeiro livro que eu li sozinha, por meus próprios meios. Não me agüentei de orgulho! Foi O Barquinho Amarelo, meu livro escolar, mas nem por isso eu o achava chato. Eu me lembro até hoje das ilustrações, das histórias e dos personagens. Lembro perfeitamente do Marcelo, do pé de Café, e claro, da triste cena do barquinho amarelo sumindo aos poucos depois da curva do riacho.
Minha avó bem que tentou me fazer gostar do Monteiro Lobato, mas nunca me identifiquei com o Sítio do Pica Pau Amarelo, principalmente porque na época já existia o programa de TV, e eu não simpatizava nem um pouco com o personagem da Cuca. Eu ainda não sabia, mas minha preferência se voltava para histórias mais reais, ou, pelo menos, menos inverossímeis.
Depois vieram as Meninas Exemplares e Os Desastres de Sofia, da Condessa de Ségur, que fizeram a alegria da minha infância. Minha pré-adolescência foi passada na companhia do Conde de Monte Cristo, dos Três Mosqueteiros e dos livros da Laura Ingalls (Uma casa na Floresta, À beira do Riacho, À margem da Lagoa Prateada e uma longa série...) e todos da Biblioteca das Moças, extinta coleção que fez sucesso entre as décadas de 40 e 60, e pertenciam às minhas tias paternas, hoje vovós respeitáveis! Os livros eram encapados com plástico de fundo preto e estampado com florzinhas verdes e brancas, e cheiravam muito forte a mofo. Mesmo assim, isso não me desencorajou, e por um bom tempo contei com as histórias românticas e politicamente corretas da mocinha que se casa por obediência aos pais mas acaba se apaixonando pelo marido atencioso; daquela que só se casaria por amor e também da outra que aprendia a duras penas a ser esposa e mãe perfeita.
Logo me cansei das Moças, e comecei a procurar personagens mais intrigantes e histórias mais densas. Assim cheguei até Dorian Gray e Jane Eyre, e outras preciosidades que minha mãe, com cuidado, destilava em pequenas porções. Não sosseguei enquanto ela não me deixou ler Dracula de Bram Stoker, que ela censurava com medo dos pesadelos que esta leitura certamente me traria. Nas férias, sorrateiramente, assaltava os armários da minha tia, e roubava volumes que lia à noite, debaixo das cobertas. E assim chegaram às minhas mãos primores como Os Miseráveis e outros nem tão significativos assim, o que me ajudou a entender porquê alguns livros merecem mesmo ser escondidos no fundo do armário.
Enfim, um belo dia, minha mãe, cansada de me ver suplicar por novas leituras, abriu o sua estante de livros para mim, e me deixou livre para escolher o que eu quisesse. Só permaneceu proibido O Castelo do Homem sem Alma, não por puritanismo, mas porque minha rinite alérgica simplesmente não permitia que eu abrisse o livro com o título mais intrigante que eu já vi. Ou melhor, li. Peguei o que alcancei mais fácil, na primeira prateleira. Lá estava um livro pequeno e encadernado em azul cujo título não estava impresso na lombada. O perfume. Definitivamente, estava inaugurada minha vida adulta na literatura.
E foi assim, aos poucos, que fui construindo a minha história, lado a lado com os livros. Alguns se tornam refúgios, uma ilha de calma, um mundo paralelo, no qual os personagens transcendem as páginas do livro e se transformam em amigos, paixões, confidentes. Há personagens mais vivos para mim do que pessoas de carne e osso: já chorei com eles, já me compadeci, já odiei e já viajei na companhia de muitos em busca de aventuras e de vingança. Já penetrei tão fundo em seus mundos que já os confundi com a realidade! Por isso eu digo que alguns livros são meus livros-amigos, aqueles que eu anseio por reencontrar depois de um dia difícil, debaixo das cobertas, como um porto seguro depois da tempestade. E apesar da certeza de que muitos logo se tornarão pó, me conforta a idéia de que eles já fazem parte da minha vida, e que carrego um pouco deles comigo na memória, e isso, ninguém pode me tomar. Nem o tempo, nem as traças.
Bela.
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