Eu tinha apenas 10 anos. Mas ele era diferente para mim. Todas as outras meninas gostavam do amigo dele, um menino de pele branca e bochechas rosadas, cabelos negros e brilhantes olhos azuis.
As meninas queriam ser minhas amigas porque eu era vizinha do objeto de suas paixões infantis, e morriam de inveja quando eu contava que já tinha brincado com ele de esconde-esconde e que um dia nos escondemos juntos debaixo da cama. Mas eu não sentia nada de especial pelos olhos azuis. Gostava do amigo.
Os outros zombavam do seu cachorro esfarrapado, da deselegância de sua mãe e do bermudão xadrez rosa e azul que ele teimava em usar dia sim, dia não. Eu até tentava ser amiga do cachorro, apesar do nojo que sentia de seu pêlo engordurado e maltratado, e não achava a combinação de cores da bermuda tão feia assim.
Seu rosto era bem arredondado, e salpicado de sardas. Seu cabelo era castanho escuro, liso, usava uma franja que chegava a cobrir seus olhos.
No primeiro dia de aula, a professora sorteou as carteiras, e acabamos ficando lado a lado. Mas ele nunca conversava, nem comigo nem com ninguém. Seu melhor amigo foi colocado em outra sala, e ele emburrou por isso. Disputávamos o primeiro lugar da sala, mas ele era melhor em matemática do que eu, e um dia ganhou um prêmio inédito. Era apenas um papel, um desenho de diploma no qual estava escrito “parabéns”, mas ele não deixou que eu tocasse o papel. Virou de costas para mim e me ignorou por vários dias.
Na festa anual da escola, sortearam os pares de dança. Fui escolhida para dançar com ele, porque éramos da mesma altura. Só de pensar em estar de mãos dadas com ele, fiquei completamente envergonhada, e deixei a timidez falar mais alto que a minha vontade. Resolvi não dançar e ele dançou com outra menina.
No dia em que tiramos a foto da Turma, ficamos lado a lado novamente, mas ele sequer encostou seu braço no meu, como a foto exigia, e deixou um nítido buraco entre nós dois na fotografia.
Quando soube que eu ia embora, ele ficou feliz com a notícia, disse que assim teria mais espaço na carteira. Chegou o meu último dia de aula. A professora tinha preparado um cartão para mim, que todos meus colegas deviam assinar e deixar um bilhetinho para que eu guardasse com carinho essa pequena lembrança. Eu estava animadíssima com essa idéia, imaginei ter uma recordação dele para sempre, nem que fosse uma assinatura. Mas nesse dia, ele faltou à aula, e eu nem tive a oportunidade de vê-lo pela última vez, sabendo que seria a última.
Mas eu não iria embora sem uma lembrança dele! Na hora do recreio, esperei a professora sair. Em cima de mesa dela estava a pilha de redações que ela iria devolver nesse dia. Cautelosamente, procurei a que era dele e a surrupiei, escondendo-a dentro da minha pasta. Não sei se ele ficou sem nota por culpa do meu pequeno delito, mas tenho minha lembrança guardada até hoje, no alto do meu armário, numa caixa enorme cheia do que costumo chamar de “minhas memórias”. Quando abro a caixa, sempre procuro minha relíquia, e observando os garranchos de sua letra infantil, vejo o que restou da minha paixão: folhas de papel roubado e uma foto de turma de escola.
Um dia, quem sabe, procuro o nome dele no Google...
Texto por: Bela
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04 maio 2006
Uma paixão infantil
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