Então levantou-se, abriu a porta e, como quem não quer nada, sorriu. Sorriu como se nunca tivesse sorrido antes. Sorriu escancarando os dentes, abrindo bem a boca, deixando ver a língua bem vermelha, sentindo o bafo do último jantar - sopa de ervilha com bacon - soltando gargalhadas, uma atrás da outra, preenchendo o vazio do lugar que deixava em mim, reconhecendo em meus olhos lacrimosos a felicidade que um dia tivemos. Riu pra mim, riu de mim. Zombou de mim.
E num rompante de ódio e poder e excitação, quis correr ao seu encontro com a gana de um canibal. Queria comê-lo vivo, queria trucidar e retirar toda sua pele, queria que sofresse, e que sentisse a dor de estar me perdendo, pra sempre. Queria que reconhecesse que a culpa não foi minha, mas sim dele, o tempo todo. Gritei. Esgoelei. Joguei um vaso de porcelana em sua direção, que quebrou da quina da estante. Ele continuou rindo. Como você é ridícula - pensou. Pensei o mesmo, mas ao menos uma ridícula com razão, uma ridícula revoltada. E ele provocando.
Saiu sorrindo dali, como um psicopata deixa sua vítima escalpelada, maltratada, morta, esfaqueada, largada no meio do nada, sem sentir o menor remorso. Fechou a porta e não olhou pra trás. Permaneci ainda sentada na cama, chorando e vazia, com menos um vaso de porcelana. Com cacos pra catar, meus e os da peça de decoração, claro. Sem reação. Sem ninguém.
15 minutos depois o telefone tocou. Era ele. Atendi de birra, só pra ver o que mais tinha a me dizer. Logo descobri que não deveria ter perdido meu tempo. Disse que mandaria o boy do escritório trazer o meu aparelho de som e a escova-de-dentes - que estavam na casa dele - na segunda-feira. Mandei-o tomar naquele lugar.
(Um vidro de arsênico até que cairia bem numa hora dessas. Mas não, ele não merecia isso tudo.)
Liguei pro carinha da academia e combinei uma caminhada em volta da lagoa. Lavei o rosto, respirei fundo, e lá fui eu. Renovada, remarcada, remoída, re-amada.
Ana.
(texto e foto)
Ps.: Para minha amiga M.
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